segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores


O texto que se segue foi extraído e adaptado de uma matéria da Veja da edição nº 05, de 09 de outubro de 1968. Não sei quem foi o autor. Caso alguém saiba, favor me avisar que colocarei os devidos créditos. O propósito deste post é trazer à tona o grande artista Geraldo Vandré, que sumiu do cenário musical e da mídia após o estrondoso sucesso da canção ‘’Pra não dizer que não falei de flores’’ ou simplesmente ''Caminhando''. Além de ter sido a primeira música (e única, por sinal) que aprendi a tocar no violão, ela vem em mente sempre que o tema ‘’Ditadura Militar’’ é citado. Recentemente li o primeiro dos quatro volumes escritos por Elio Gáspari sobre o tema. Acredito que para as novas gerações esse deva ser um assunto a ser conversado e tornado disponível para leitura, principalmente para explicitar as atrocidades cometidas por aquele regime. É importante que se defenda a democracia acima de tudo, apesar dos péssimos políticos que dispomos.


Só com um violão e uma canção de dois acordes, Vandré fez 20 mil pessoas cantarem ‘’Pra não dizer que não falei de flores.’’

‘’Essa música é atentatória à soberania do País, um achincalhe às Forças Armadas e não deveria ser nem inscrita”, declarou o Secretário de Segurança do Estado da Guanabara, General Luís de França Oliveira, que pediu ao Ministério da Justiça, a proibição da música ‘’Pra não dizer que não falei de flores’’,a canção que fez 20 mil pessoas aplaudirem no Ginásio do Maracanãzinho, durante o III Festival Internacional da Canção.

Na semana seguinte, já em São Paulo, Vandré receberia um bilhete com os seguintes dizeres: ‘’Venha cantar para mim, tenho saudades da liberdade’’. O pedido vinha da líder estudantil Catarina Meloni, presa numa das inúmeras passeatas daquele ano de 1968, ano que nunca terminou. Ao ler e reler inúmeras vezes o bilhete, o trovador paraibano não sabia se ‘’fazia a hora ou esperava acontecer’’. Teria o bilhete sido mesmo escrito por Cataria ou tratava-se de uma cilada dos militares que estavam no poder havia quatro anos?

Geraldo Pedroso de Araújo Dias Vandregísilo, natural de João Pessoa, tinha 33 anos em 1968. Na juventude, foi expulso de dois colégios e aprendeu que a ‘’liberdade é a coisa que mais importa na vida do homem’’. Ele chegou em São Paulo em 1961, ‘’por causa de uma namorada’’. Cantou em programas de auditório, foi corretor de imóveis e a primeira vez que participou de um festival foi em 1965, tendo desempenhado mal e sendo desclassificado com a música ‘’ Sonho de Carnaval’’, de Chico Buarque. No ano seguinte estouraria com ‘’Disparada’’, vendendo mais de 230 mil discos, uma vendagem astronômica para a época. Em 1967, foi desclassificado com ‘’De Como Um Homem Perdeu Um Cavalo e Continuou Andando’’. Ficou marginalizado nos programas de televisão, ‘’onde se usava smoking e dava fama ao artista’’. Em agosto daquele ano, ganhou a Medalha de Ouro na categoria ‘’Intérprete’’, no Festival da Canção de Protesto da Bulgária, mesmo festival que premiou ‘’Che Guevara Não Morreu’’, de Sérgio Ricardo.

‘’A música de Vandré é uma guarânia, ótima para representar o Paraguai, não o Brasil’’, diz o Maestro Gaya, enquanto Vandré ri: ‘’Minha música é uma mistura de rasqueado de beira de praia com canção latino americana’’.Quando vinte mil pessoas aplaudem - incluindo personalidades como Christian Barnard e Francoise Hardy, que vai gravar a canção de Vandré – os protestos sempre aparecem. Ele reconhece que o tom político de sua música ajudou-o na consagração, quando tirou o segundo lugar, disse que ‘’a vida não se resume em festivais’’. Mas afinal o que é um festival para ele? ‘’É uma vitrine onde os compositores expõem suas músicas. E há poucas vitrines hoje em dia, por isso compareço’’.Compara os festivais a’’ um pau de sebo onde os artistas brigam para subir, deixando a música em segundo lugar’’. Quinze mil discos de ‘’Pra não dizer que não falei de flores’’ foram vendidos no lançamento. Para Vandré, isso quer dizer que as portas da televisão se abrem para ele.

A gravadora Vogue irá lançar um LP seu na França e três músicas já foram gravadas: ‘’Che’’, ‘’Porta Estandarte’’ e ‘’Modinha’’. Vandré seria compreendido lá fora? Ele acha que sim: ‘’O compositor deve ser fiel a seu país, pois é a partir dele que será universalmente compreendido’’. Mas no próprio Brasil, Vandré está sendo compreendido de maneiras diferentes. Na noite da primeira segunda-feira em que retornou à São Paulo, ele se apresentou no Teatro Municipal no programa em memória ao poeta espanhol Garcia Lorca. Foi uma noite desorganizada, a platéia se irritou. Vandré cantou sua música campeã mas, quando ia bisá-la, alguém gritou da platéia: ‘’Festivo!’’. Vandré respondeu: ‘’Querem que eu vista fantasia de proletário, não visto não!’’. Na noite seguinte foi ao Festival de Música Universitária, promovido pela TV Tupi e defendeu a canção de um estudante que lembrava muito a sua ‘’Disparada’’. Este festival foi uma verdadeira consagração da música de Caetano Veloso, dos Mutantes, do Maestro Rogério Duprat e de todos os tropicalistas. Essas manifestações, como a opinião do Maestro Gaya, são protestos musicais a Vandré. A do General França e a do presidente do júri do Festival, Donatelo Grieco (que teria escrito na ficha, junto ao nome de Vandré, ‘’left’’, esquerda e na de César Roldão Vieira, ‘’left dangerous’’, esquerda perigosa), puxam a música de Vandré para outras áreas.

Atualmente, Vandré reside em Imbituba, litoral sul de Santa Catarina. Ano passado, concedeu uma entrevista a Geneton Moraes Neto, no programa Dossiê Globo News, que viria a se tornar emblemática, pois fora a primeira entrevista que Vandré dava à um canal de televisão desde 1973. Nessa entrevista, ele critica o cenário cultural brasileiro desde os anos 70 e afirma que seu afastamento da música e da mídia, por assim dizer, não foi causado pela perseguição sofrida pela perseguição que sofreu durante a ditadura militar.

Quem quiser assistir à entrevista acima mencionada pode conferir em http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1620961-17665-337,00.html

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