Era uma tarde de domingo, quente e ensolarada, em Goiânia.
Naquele 13 de setembro de 1987, dois sucateiros, Roberto Santos Alves e Wagner
Mota Pereira, foram até as ruínas do prédio onde antes funcionava o Instituto
Goiano de Radioterapia, situado entre as avenidas Tocantins e Paranaíba, no
centro da cidade. Eles tinham conhecimento de que no local existia um
equipamento abandonado, embora não soubessem do que se tratava. A possibilidade
de lucrar com a venda no ferro-velho os motivava, pois o equipamento era pesado
e revestido de chumbo e metal.
Como o equipamento era muito pesado eles o quebraram em duas
partes. Para facilitar o transporte, eles ficaram com a peça menor , cuja cápsula de césio estava
acoplada na extremidade.
Levaram para a casa de Roberto que ficava localizada no nº
68 da Rua 57, Setor Central. No quintal, usando ferramentas comuns, conseguiram
separar a parte de chumbo do restante ra peça. Nesse processo, foi rompida a
janela de irídio que revestia a cápsula contendo o césio 137, permitindo a
liberação de radioatividade para o meio ambiente.
Sem saber de nada, os dois homens iniciavam o maior acidente radioativo em área urbana do mundo. Com o passar do tempo os dois sucateiros começaram a passar
mal.
Cinco dias depois, foram até o ferro-velho de Devair
Ferreira e venderam a peça. Lá, dois funcionários conseguiram desmontar a
cápsula e deixaram os pedaços em uma prateleira. Quando à noite veio, Devair
percebeu um brilho azul que vinha da prateleira. Pegou uma parte da cápsula e
levou para dentro de casa para mostrar à esposa, Maria Gabriela.
A partir desse momento, a peça contendo o pó azul que
brilhava no escuro, que na verdade era, fragmentos do césio 137, passou a
circular entre os parentes e amigos que, impressionados com a novidade, não
tinham a menor idéia do perigo que aquele material representava.
Rapidamente as pessoas que tiveram contato com o misterioso
pó, começaram a apresentar alguns sintomas como náuseas, tontura, vômitos e diarreias.
Desconfiada a esposa de Devair, Maria Gabriela, levou parte da cápsula até a sede
da Vigilância Sanitária. Foi solicitada a presença de um físico para verificar
se o material era radioativo.
No dia 29 de setembro, o físico nuclear Valter Mendes foi
até a rua 57, do Setor Aeroporto e constatou que havia fortes índices de
radiação na área. Imediatamente ele acionou a Comissão Nacional de Energia
Nuclear (CNEN) e às autoridades governamentais.
Infelizmente já era tarde demais. Ao abrir a cápsula foi
lançado no ambiente 19,26 g de cloreto de Césio 137 (CsCl), que por ser
higroscópio, absorve a umidade do ar e facilmente adere à roupa, pele e
utensílios, contaminando alimentos e o organismo.
Por isso, a radiação atingiu centenas de pessoas,
repercutindo no Brasil e no resto do mundo. Curiosamente, um ano antes, uma explosão no
reator da usina nuclear de Chernobyl, na antiga União Soviética, gerou um
vazamento que foi o maior desastre nuclear da história, matando milhares de pessoas e que chocou o
mundo.
Ao ser notificada do acontecido, a CNEN determinou que a
população fosse examinada. Foi montada uma operação de emergência no Estádio
Olímpico que se tornou um centro de triagem. Constatou-se que mais de 112 mil
pessoas foram expostas aos efeitos do césio, muitas com contaminação corporal
externa revertida a tempo. 129 apresentam contaminação corporal interna e
externa, sendo medicadas. Quarenta e nove pessoas foram internadas, sendo que
21 sofreram tratamento intensivo.
No início de outubro, os pacientes mais graves foram
transferidos para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. Dentre
eles estavam Devair, Maria Gabriela e a
menina que se tornou símbolo da tragédia, Leide, que na época tinha seis anos.
Ao ser apresentada ao pó brilhante, Leide espalhou césio por todo o corpo e
acabou ingerindo a substância.
Infelizmente, Maria Gabriela, Leide e os dois empregados do
ferro-velho morreram nos dias seguintes. Ivo, pai de Leide, sofreria de
depressão e morreria de efisema pulmonar tempos depois. Devair tornou-se alcoólatra
e morreria em 1994. Nos últimos 25 anos, cinquenta e nove pessoas morreram por
causa de doenças desenvolvidas pela contaminação. Existem mais de 170 pedidos
de indenização na justiça.
E por falar em justiça, os responsáveis pela clínica foram
julgados em 1992 e condenados a três anos de prisão em regime semi-aberto.
Segundo o extinto Programa Linha Direta, da TV Globo, exibido em 2007, um
decreto presidencial anistiou os condenados, libertando-os.
Os trabalhos de descontaminação dos locais afetados
produziram 13,4 toneladas de lixo radioativo. O material encontra-se enterrado
em uma área na cidade de Abadia de Goiás, perto de Goiânia, devendo ficar
enterrado por lá pelos próximos 180 anos.
A pergunta que fica é: será que hoje estamos a salvo de uma
tragédia similar?
Links para vídeos sobre o assunto:
Programa Linha Direta Justiça - http://www.youtube.com/watch?v=MfshO3PvlYs&feature=relmfu
Filme Césio 137 – O Pesadelo de Goiânia - http://www.youtube.com/watch?v=-PUJd5qsU0g
Um comentário:
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