Sunao Tsuboi tinha 20 anos de
idade e era um estudante universitário quando conheceu o verdadeiro "inferno na terra". As cicatrizes
no rosto lhe acompanham já fazem sete décadas
. As mãos frágeis ajudam a vasculhar as fotos em preto e branco. Em uma é
possível vê-lo com a cabeça raspada em meio a vários sobreviventes.
"Sou eu", diz ele. "Nós
estávamos esperando encontrar algum tipo de ajuda médica, mas não havia nenhum
tratamento disponível, e nenhuma comida ou água. Eu pensei que tinha chegado ao
fim. "
A foto foi tirada sobre a
ponte Miyuki, Hiroshima, três horas após o Enola Gay, um bombardeiro
B-29, ter lançado uma bomba nuclear de 15 quilotons sobre a cidade na manhã de
6 de agosto de 1945. Entre 60.000 e 80.000 pessoas foram mortas instantaneamente;
nos meses que se seguiram, o número de mortos
subiu para 140.000.
O Japão, Tsuboi e dezenas de
milhares de outros hibakusha (termo que designa os sobreviventes da bomba
atômica) comemoraram no último mês o 70º aniversário do primeiro ataque nuclear
da história.
"Pessoas como eu estão
perdendo a força para falar sobre as suas experiências e continuar a campanha
contra as armas nucleares", disse Tsuboi, um diretor de escola aposentado
que tem viajado o mundo para alertar sobre os horrores da guerra nuclear.
A idade média dos mais de
183.000 sobreviventes registrados dos ataques de Hiroshima e Nagasaki subiu um
pouco acima de 80 pela primeira vez no mês passado.
Embora cada hibakusha tenha
uma lembrança única da manhã daquele 6 de agosto e suas conseqüências, eles
ainda testemunham, em suas palestras, um sentimento de descrença por
muitas pessoas sobre o tamanho da escala de destruição vivenciada.
Tsuboi se lembra de que na hora que a bomba foi lançada ele iria pediar a mão da noiva, Reiko, em casamento. Ele recorda de ouvir um
estrondo alto e, em seguida, voar e ser jogado a 10 metros de distância. Quando
recuperou a consciência, descobriu que
tinha sido queimado em grande parte de seu corpo. As mangas de camisa e
as calças simplesmente foram ‘’roubadas’’ pela força da explosão. A noiva simplesmente foi desintegrada pela explosão.
"Meus braços estavam muito queimados e parecia que algo escorria por entre meus dedos", disse Tsuboi, que é co-presidente da Nihon Hidankyo, uma organização nacional que reúne vítimas de bombas atômicas e de hidrogênio.
"Eu não tinha idéia
do que tinha acontecido. Eu achava que fora uma grande bomba convencional. Eu
não tinha idéia que era uma bomba nuclear e que eu tinha sido exposto à
radiação. Havia tanta fumaça no ar que você mal podia ver 100 metros à frente,
mas o que eu vi me convenceu de que eu tinha entrado em um inferno na terra''.
''Havia pessoas chorando,
pedindo ajuda, chamando por familiares.
Eu vi um estudante com o olho pendurado. As pessoas pareciam fantasmas,
sangravam muito e tentando andar antes de desmaiar. Alguns tinham membros
perdidos''.
"Havia corpos
carbonizados por toda parte, inclusive no rio. Olhei para baixo e vi um homem
segurando um buraco em seu estômago, com as vísceras expostas. O cheiro de
carne queimada era insuportável. "
Ele foi levado para um
hospital, onde permaneceu inconsciente durante mais de um mês. Quando acordou
não tinha idéia de que a guerra havia terminado e que o Japão estava sob
ocupação americana. ‘’Foi difícil assimilar’, conta.
Desde então Tsuboi foi
hospitalizado 11 vezes, incluindo três ocasiões em que médicos disseram que ele
estava prestes a morrer. Após dois diagnósticos de câncer, ele toma medicamentos para várias doenças, resultantes da exposição à radiação.
Os sobreviventes ainda seriam vítimas do preconceito e do estigma. Arrumar emprego, por exemplo, era muito mais difícil pois as empresas davam preferências a pessoas que não tinham sido vítimas das bombas.
Em Nagasaki, a segunda cidade vítima da bomba atômica, até hoje os sobreviventes são monitorados. É sabido que a radiação impactou na saúde dos hibakusha, porém é praticamente impossível saber o quanto cada um foi realmente afetado.
Por isso a importância de mostrar os horrores das armas nucleares para as novas gerações.
Os depoimentos dos
sobreviventes da bomba atômica são agora uma questão de registro histórico. Os
hibakusha estão tentando assegurar que suas experiências não morram com eles,
num momento em que o mundo está enfrentando ameaças nucleares da Coreia do
Norte e Rússia.
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